sábado, 23 de junho de 2012

002-14 Pop Norte-Americano 01


Santo de casa às vezes faz milagre; a música comercial dos EUA é mais antiga do que parece, e, apesar de sempre malhada pelos roqueiros mais radicais, estes não tiveram como escapar de sua influência ou pelo menos sua presença. Basta dizer que a Billboard, a mais prestigiada revista de parada de sucessos do mundo, foi fundada em 1894, neste ano de 2012 já completou 119 anos de existência. "Billboard" significa literalmente "quadro de avisos", nome correto para "out door", e no início esta publicação era "devotada aos interesses de anunciantes, impressores de cartazes, colocadores de cartazes, agentes de publicidade e secretários de feiras". É verdade que a primeira parada de discos mais vendidos só foi publicada em julho de 1940 (qual o primeiro lugar? "I'll Never Smile Again" com a big band de Tommy Dorsey, com Frank Sinatra no vocal),


mas o simples fato de haver uma publicação regular "devotada aos interesses de anunciantes" já indica a existência de uma indústria cultural, e bastante próspera. Já existia a gravação sonora, desde 1877, e o disco, inventado dez anos depois, começou logo de saída a tomar o lugar dos cilindros primitivos. Só em 1904, com o sucesso dos primeiros discos do tenor Enrico Caruso, o gramofone deixou de ser encarado como mero brinquedo ou "secretária" para se tornar um dos chamdos pilares da indústria do entretenimento; mas muito antes disso já havia shows e vida noturna à vontade - afinal, havia até uma publicação especializada em cartazes! Os norte-americanos mostram sua vocação para o entretenimento desde cedo - e também desde cedo admitiam influência da cultura negra, adaptada para consumo branco desde os "minstrel shows" ("shows de menestréis") do século XVIII.




Um jornal novaiorquino de 1767 faz referência a uma "dança de negros a caráter", na verdade atores brancos pretejando o rosto com cortiça queimada (exatamente aquilo que Michael Jackson vai acabar fazendo). O que não impedia a participação ocasional de negros de verdade - mas até eles eram obrigados a pretejar o rosto! De qualquer modo, a música dos "shows de menestréis" era quase sempre negra, embora diluída e amaciada pelos atores, quase sempre brancos - e, no fim, esta imitação aguada da música negra acabou sendo imitada pelos próprios negros. De qualquer modo, os shows de menestréis foram responsáveis pela primeira injeção por atacado de cultura negra no "mainstream" cultural norte-americano. E no século XIX a "minstrelsy" tornou-se praticamente bi-racial (embora atores brancos fossem muito mais bem-tratados), com o acréscimo das primeiras canções brancas legitimamente norte-americanas, de Stephen Foster
 
 
e outros (incluindo "I Wish I Was In Dixie's Land" de Daniel Emmett, lançada em 1859 com tanto sucesso que chegou simplesmente a dar nome à região Sul dos EUA e, por tabela, ao "jazz de Dixieland" além de ser regravada até por Elvis).
 
 
Os shows de menestréis sobreviveram até o início dos anos 20 deste século, gradualmente substituídos desde meados do século XIX pelo "vaudeville", mais variados, incluindo não somente música, mas também animais amestrados, peças de teatro e até lutas de box, o equivalente norte-americano do "music-hall" inglês. A princípio, o vaudeville era ambulante, mas lá pelos anos 1880 cada cidade dos EUA já tinha seu teatro de vaudeville. Quase tudo que é comediante americano, como os Três Patetas ou George Burns, se revelou no vaudeville, instituição que, de certa forma, se prolongou até hoje - inclusive, o programa de TV de Ed Sullivan era pouco mais que vaudeville televisionado
 

 
- sem falar que, na sua primeira excursão pelos EUA, numa feira na California, os Rolling Stones tiveram o desprazer de ver um macaco amestrado ser chamado para dar um bis - mas ele não.
 
Al Jolson (1886/1950) foi o último cantor de sucesso a se apresentar de cara pretejada ("blackfaced") e,
 
 
ao mesmo tempo, um dos primeiros idosos de massa, usando fórmulas de sucesso até o bagaço e se promovendo em todas as mídias que existissem - cinema, rádio, disco, televisão, jornais, revistas. Entre estes grandes ídolos da música propular pré-rock ("pop", lembremos, é abreviatura de "popular", mas no sentido mais comercial, com discos, filmes e outros produtos relativos à venda) temos Bing Crosby (1903/1977), Frank Sinatra (nasc. 1915) talvez o primeiro cantor a usar o microfone como instrumento, não como mero acessório de amplificação de voz), Perry Como (nasc. 1912), Dean Martin (nasc. 1917), Johnny Ray (1927/1990, um dos primeiros a fazer sucesso por atrativos não vocais, costumando cantar, veja só, com um aparelho de surdez no ouvido), Mario Lanza (1921/1959) e Rudy Vallee (1901/1986) - consta que Vallee se empolgou sobremaneira com a reação entusiasmada das platéias brancas de 1930 às "blue notes" entoadas por uma orquestra em que cantou. E talvez tenha sido Vallee o primeiro ídolo pop, ainda na era pré-microfone, no início dos anos 20: "Nunca tive muita voz", admitiu Vallee, "fiz sucesso porque fui o primeiro cantor articulado - as pessoas podiam entender a letra."


Por sinal, ontem como hoje, os cantores de mais sucesso costumam ser os que melhor enunciam a letra e cantam mais bonitinho, mesmo não tendo muita voz. A isto se chama "crooning" - cantar canções suaves com voz suave (daí o cantor de um grupo de baile se chamar "crooner", ao contrário do "vocalista" de grupos de música mais agressiva). Dificilmente algum cantor resiste à tentação de aderir alguma vez ao "crooning" - seja Elvis com "Love Me Tender", os Beatles com "Yesterday", os Stones com "As Tears Go By" (em português e italiano!) ou os Guns'n'Roses com "Patience". O grande público norte-americano só aceita cantores inquietos, que não fiquem parados cantando, quando eles aderem de vez à pantomima ou ao "novelty" ("novelty" é qualquer música ou gravação com alguma coisa diferente que chame a atenção, como por exemplo a microfonia no início de "I Feel Fine" dos Beatles, aquele apito descendente em "Ring My Bell", sucesso disco de Anita Ward, ou o sustain da guitarra de "Sweet Child O'Mine" do Guns'n'Roses, sem falar na música francamente humorística dos maestros Irving Aaronson (1895/1963) e Spike Jones (1911/1965), antecessores de Frank Zappa e outros bizarros). E não é à toa que a Kiss, Elton John, Alice Cooper e o Emerson Lake and Palmer, com seus truques de palco que incluíam pianos levitando, esfaqueamento de alto-falantes e contrabaixista cuspindo fogo, sejam citados como os que trouxeram o rock de volta ao vaudeville, atualizando eletronicamente as técnicas de palco do século passado.


O qual, aliás, ainda não passou. Foi dito que estamos vivendo na "era da reciclagem". Os Bee Gees já cantavam em 1967 que "quero comprar uma máquina do tempo/ir pra virada do século/Tudo está acontecendo na virada do século". E em pleno 1993, perto de mais uma virada de século, a cantora Bjork, fazendo sucesso após sair do grupo The Sugarcubes, se espanta com a Inglaterra de 1994: "Tendo vindo da Islândia e tentando agora entrar no clima inglês, descubro todo mundo na Inglaterra viciado na era vitoriana. É como se o povo inglês se envergonhasse da Inglaterra de hoje. Eles estão chateados por não ser 1901, e todos os filmes que eles fazem são sobre essa época e há um monte de imagens da virada do século nos vídeos pop."


Enfim, como já se disse há três caminhos para estar sempre em dia com a moda: você pode ir a Paris, a Milão ou... ao guarda-roupa de seus avós.


E por falar em avós, outro bom exemplo que o rock and roll herdou do pop norte-americano que o precedeu foi a linhagem de grandes compositores (por sinal, quase todos judeus), que quase sempre produziam músicas para filmes ou musicais da Broadway. Estes heróis incluem Richard Rodger (1902/1979), que trabalhou com letristas como Lorenz Hart (1895/1943) e Oscar Hammerstein II (1895/1960); Jerome Kern (1885/1945), que musicou letras do citado Hammerstein e outros; os irmãos George Gershwin (1898/1937) e ira Gershwin (1896/1985); Mitchell Parish (1902/1993); Hoagy Carmichael (1899/1981); além de dois que trabalharam quase sempre sozinhos, Irving Berlin (1888/1989) e Cole Porter (1891/1964). Entre os clássicos do pop criados por estes compositores, podemos citar "Stardust",
 

 

continua no próximo post ...

 

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