sábado, 29 de março de 2014

005-01 Punk Rock 01


Letras cínicas, gestos obscenos e agressivos, roupas descuidadas, equipamento de má qualidade e maciça participação do público. Uma tentativa de mudança no cenário do rock tradicional. Mas, no fundo, apenas falta de idealismo e criatividade.

Se nos anos 60 a grande onda era paz e amor, solos compridos, muito otimismo e misticismo, o punk inglês de 1976 não gostou muito de ver Mick Jagger e outros antigos rebeldes (antigos em mais de um sentido) passeando de limousines e badalando na soçaite, enquanto os pobres fãs andavam de ônibus. Além de muito niilismo e rebeldia, o punk foi, musicalmente, uma volta às raízes do rock and roll dos anos 50 e do "garage rock" dos 60 da forma mais crua possível; não era incomum membros da platéia (em barzinhos, claro, nada de arenas) subirem ao palco e tocarem melhor (ou menos mal) que os astros da noite. É verdade que os Sex Pistols, embora tão influentes, foram pouco mais que uma armação de um empresário espertalhão, Malcolm McLaren, e que, apesar de rebeldes e irreverentes, ganharam muita grana e se confessaram, num filme e LP chamados "The Great Rock And Roll Swindle" ("A grande trapaça do rock and roll").

Sex Pistols ~ The Great Rock 'n' Roll Swindle




Mas no rock and roll as boas intenções importam muito menos que os resultados, e centenas de punks levaram os Pistols a sério, usando suásticas por ideologia e não, como McLaren e seus amigos, só para chocar. Muitos destes grupos, como o Clash, Buzzcocks, Magazine, Siouxsie and The Banshees, Damned e Stranglers, acabaram aprendendo mais acordes e foram promovidos a New Wave.

Buzzcocks - What do I get




Heavy Lero - SIOUXSIE and THE BANSHEES (1976-1986) com Gastão Moreira e Clemente Nascimento




THE DAMNED - Love Song




Por volta de 1975, foi responsabilidade de Malcon McLaren, até então dono de uma loja de roupas de couro (de certa forma uma sex shop) em Londres, o aproveitamento do novo estilo como algo comercial. Não tendo sido bem sucedido em empresariar a banda americana New York Dolls (que já estavam em franca decadência), McLaren voltou a Londres com a finalidade de montar ele próprio uma banda usando o padrão que havia conhecido nos Estados Unidos. Entre clientes de sua loja recrutou quem tivesse os parcos conhecimentos musicais necessários para formar a banda Sex Pistols. Acrescentaram à música simples e alucinada dos punks americanos letras anarquistas e mais agressivas. Seu primeiro hit foi Anarchy In The Uk, em 1975.

The Sex Pistols - Anarchy In The U.K (official video)




O punk criado nos Estados Unidos e popularizado na Inglaterra (onde logo viria a se tornar um movimento social do proletariado e não mais apenas um estilo musical) foi uma resposta necessária ao rock que estava se levando a sério demais, aos álbuns duplos conceituais, aos solos de dez minutos e às bandas que perdiam de vista o caráter de diversão do rock. O punk embora considerado por muitos anti-música foi na pior das hipóteses um mal necessário para mostrar e conter alguns exageros do progressivismo.

Em 1977 o primeiro disco dos Sex Pistols, Nevermind The Bollocks entraria direto no primeiro lugar da parada britânica. Aos Sex Pistols se seguiriam dezenas de bandas inglesas e americanas como Clash, Damned, Siouxie and The Banshees, além de serem resgatadas e tiradas do anonimato bandas como Ramones e Blondie.

O estilo também influiria embora indiretamente na sonoridade de novas bandas que surgiam, como Motörhead e AC/DC. O punk também absorveria elementos de outros estilos (como o reggae, por exemplo, de temática e musicalidade semelhantes em sua simplicidade). Bandas como The Police, Simple Minds e Pretenders (e um pouco mais tarde U2) adotariam um estilo que viria a ser conhecido como new wave, mais facilmente aceitável que o punk (cuja fórmula inicial já não surtia tanto efeito comercialmente).

Mas o punk e a new wave não eram a única alternativa à onda "disco" que assolava a música. Começava a se formar na Inglaterra com bandas como Judas Priest, Samsom e principalmente IRON MAIDEN o que viria a ser conhecido como New Wave Of British Heavy Metal, a resposta do som pesado e elaborado à sonoridade simples do punk. O hard rock também dava sinais de renovação com o primeiro álbum auto-intitulado da banda Van Halen em 1978.

Heavy Lero - IRON MAIDEN (1975 - 1981) - apresentado por Gastão Moreira e Clemente Nascimento




Heavy Lero - VAN HALEN (1974 - 1985) - apresentado por Gastão Moreira e Clemente Nascimento





Apesar do fim dos Sex Pistols em 1978 (com a fórmula tão esgotada quanto os próprios músicos após uma imensa tour pelos Estados Unidos) e da morte do anti-herói, símbolo do punk, Sid Vicious (de overdose, após conseguir liberdade condicional da prisão onde estava por ter supostamente assassinado a namorada) em 1979, o rock nunca mais seria o mesmo após a onda punk.


PUNK-ROCK, rebeldia sem justa causa


Selvagens, pretensamente não-convencionais, sem virtudes musicais de nenhuma classe, indiferentes, gratuitamente agressivos. Para levar à frente a obsessão da ideia de que o rock deve voltar às ruas, o movimento punk apoderou-se de todos os temas e modos negativos - violência, álcool, loucura, aborrecimento e apatia - e os esparramou disfarçados com "naturalidade", "espontaneidade" e "sinceridade". Apesar de grupos como Sex Pistols (na Inglaterra) ou Ramones (nos Estados Unidos) acreditarem ser defesa suficiente afirmar que o rock gerador de toda a música de hoje nasceu como uma rebelião (justa e lógica) contra uma série de pontos falsos do "sistema estabelecido", parecem esquecer-se de que nenhuma rebelião pode apresentar algum resultado, nem lograr frutos duradouros ou coerentes, se baseada no niilismo. E o punk-rock é, básica e lamentavelmente, niilista.

GRITO PRIMÁRIO - O punk-rock queria ser para a década dos 70 o que Elvis Presley e James Dean foram para a de 50, e os Stones e o Who foram para os anos 60. Quer dizer, os rebeldes, os que pegavam em suas mãos as bandeiras da insatisfação e aborrecimento de certos setores da juventude, os que protestavam contra o sistema de estrelas, estabelecido no rock de alguns anos até aproximar-se dos anos 80.

Os punks tocavam uma música simples, crua, às vezes até grosseira; vestiam-se o mais descuidadamente possível - inclusive substituindo botões por alfinetes, adotavam uma atitude geral de "estar de costas" para os luxos e as ambições do resto dos integrantes do cenário pop. Mas, é claro, grande parte destas características eram muito menos que autênticas.

O equipamento que usavam era mínimo e muito barato; insistiam em que o público pudesse tocar em casa a música que escutavam nos shows. Tocavam, velocissimamente, canções de acordes básicos e duração nunca maior que três minutos. As letras eram cínicas, renegadas, agressivas. Não havia solos nem improvisações. Tudo era igual: um repetido grito primário.

A participação do público era outra premissa básica. Todos deviam estar convencidos de que a qualquer momento podiam subir no palco e atuar igual ou melhor que os astros do espetáculo. Esta ideia foi alimentada pela impotência de muitos garotos que, em um concerto de grupos como os Stones ou Led Zep, sentiam-se tão longe, tão diferentes deles mesmos, sendo, então, quase inútil tentar segui-los. O punk-rock, ao contrário, dizia poder oferecer igualdade a seu público, devendo, portanto, ser este o motivo de estas bandas germinarem como cogumelos até os anos 80.

GESTOS FÁLICOS - A denominação punk-rock começou a ser usada por volta de 1971, como a definição dos grupos norte-americanos dos anos 65/68, que surgiram como resultado da influência do Yardbirds, Stones, Who e outros ingleses. A habilidade e criatividade não eram, para aquelas bandas, tão importantes como o entusiasmo, mas quase todas estouravam nas paradas com um compacto-simples, desaparecendo logo depois.

Em 1977, o punk-rock era, na Inglaterra, a etiqueta de grupos arrogantes, excetantes, vagabundamente diretos, que tentavam dar uma reviravolta no cenário do rock e voltar às velhas raízes, mais proletárias que espetaculares. Os mesmos interesses guiaram o surgimento do movimento punk nos Estados Unidos, que também tinha numerosos cultivadores. A única diferença notável entre americanos e ingleses era a preocupação um pouco mais intelectual por parte dos primeiros.

Muitos insistiam ainda que o rock nasceu de boas intenções, ventilando o fato de que estes grupos queriam modificar a tendência da música no ano de 1977 - voltar-se para a elaboração, tornando intelectual, eletrônica, sofisticada e tecnológica. Podia ser uma boa ideia, mas quando se tinha em conta as atitudes depreciativas e provocadoras de Johnny Rotten - Joãozinho Podre, do Sex Pistols, com o público, ou os estudados gestos fálicos do Ramones, não se podia deixar de pensar que esses garotos não queriam nada, porque nada lhes importava. Podia até estar certo, dentro de certos parâmetros, que as bandas refletiam o mal-estar e o desinteresse geral destes anos, mas este tipo de atitude era típica da falta de idealismo e criatividade de que padecia grande parte da música na época.

DISFARCE - Alguns dos mais influentes e criativos músicos, como Bowie, Dylan e Lennon - que tiveram preservada sua integridade, nunca deixaram de dar provas de genuína força e imaginação, que modelaram (e até por volta de 1980 continuavam modelando) as atitudes e opiniões dos jovens desta década.

Entretanto, os punks, longe da preocupação de criar, pareciam interessados apenas no negativo, no irreversível, em vez de abrir novos caminhos, para qualquer direção.

De todos eles, talvez Patti Smith seja a única resgatável porque, ainda estando um pouco mergulhada em tudo o que foi dito anteriormente, pelo menos tinha dado mostras de personalidade, de idéias próprias, de protesto justificado e dirigido especificamente ao que ela via de mal. E seus trabalhos (sobretudo o primeiro álbum "Horses") podem ser tomados como uma radiografia bastante precisa, ainda que subjetiva - da decadência da sociedade americana e ocidental em geral, dessa época.

Patti Smith - Horses




Depois de tudo, um artista era finalmente julgado pelo poder de suas mensagens e os feitos de sua visão criativa, tenha um estilo primitivo ou complexo. Também deste ponto de vista o punk nasceu morto, pois não só seus cultores não tinham interesse algum - pelo menos no que demonstram - em comunicar mensagens de qualquer espécie, como também não se podia afirmar irreversivelmente que tinham um estilo, já que o que "a priori" podia ser considerado tal como era, no fundo, tratava-se de uma atitude meramente momentânea.

Os alfinetes, as agressões gratuitas, as más palavras não eram um protesto válido contra o "sistema estabelecido", mas um disfarce para a incapacidade.


Veja a continuação no próximo post Punk Rock 02 ...



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